O mistério dos sonhos e a necessidade da poesia

“Poesia é uma linguagem que traduz sonhos, mais do que propriamente pensamentos. E aí nós provavelmente somos muito mais parecidos, somos muito mais próximos, porque sonhamos todos da mesma maneira. Eu acho que aborígenes da Austrália, indígenas da Amazônia, engenheiros nucleares da Romênia, etc, têm os mesmos medos, têm os mesmos sonhos, que são coisas antiquíssimas. E aí, só há uma porta que dá acesso a isso, é a poesia. Para nós, esse universo dos sonhos é um universo estranhíssimo, porque não o podemos governar. E isso, pra uma certa atitude de arrogância, haver qualquer coisa que não é governável é impensável. Nós temos que dominar, temos que ter essa relação de controle. O sonho, não… Não consegue. Podes controlar o sono, mas não o sonho. Então, essa coisa que escapa e que tem esse mistério, suscita todo esse tipo de coisa, de inquietações. Esse é o território dos deuses, é aí que os deuses nos visitam. É espécie de uma maneira de o universo nos olhar, a vida nos prega dessa maneira, por via dos sonhos. Há todo um território possível, né? Os sonhos são um território infinito.”

 

***

Mia Couto, em entrevista ao Fronteiras do Pensamento.


Deixe um comentário